v. 1 n. 1 (2009): O DIREITO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E A CELERIDADE PROCESSUAL

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Recebi com entusiasmo a missão de elaborar esta apresentação do estudo desenvolvido pelo Des. Carlos Aberto Robinson, atual Vice-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho do RS, que aborda as inúmeras e tormentosas questões – e as próprias vantagens e vicissitudes – do modelo do duplo grau de jurisdição. O artigo não poderia ser mais oportuno. Surge ele num momento em que estamos, finalmente, os juízes trabalhistas gaúchos, reciclando conhecimentos e produzindo debates sobre a nossa atuação institucional. Permito-me cogitar que, a rigor, nos estimula a tanto o ambiente renovador que a instalação da nossa Escola Judicial, a partir de 2007, vem propiciando.

A iniciativa do Des. Robinson de trazer a debate, neste momento, a sua lúcida incursão sobre o tema deve ter recebido, aliás, uma boa dose de motivação na leitura do trabalho coletivo que foi recentemente divulgado por um grupo de seis ilustres magistrados trabalhistas atuantes no primeiro grau de jurisdição. Trata-se, aqui também, de um estudo valioso, no qual os autores discorrem sobre a FUNÇÃO REVISORA DOS TRIBUNAIS, que enseja análise séria e convida a reflexões que não podemos deixar de fazer, dado que estamos, consensualmente, em busca de mais eficiência e de efetividade da prestação jurisdicional.

Desde a chamada “Crise do Poder Judiciário” nos anos 1990 – que foi, também, uma crise do “processo judiciário” – não se debatia com tanto interesse a função dos tribunais nas suas atividades precípuas de revisão das decisões proferidas pelos juízes na primeira instância. Na época, vozes abalizadas diagnosticaram e proclamaram uma crise de funcionalidade do judiciário brasileiro, mostrando a virtual ineficiência com que o sistema judicial desempenhava suas funções básicas.

Houve, de lá para cá, uma notória evolução no campo da administração judiciária. Um franco e positivo movimento de mudança se instalou, impulsionado, inclusive, pelo processo político que gerou a reforma de 2004 com a implantação, por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, de coisas inovadoras como o Conselho Nacional da Justiça (CNJ) e a criação de um sistema integrado de formação inicial e continuada de juízes.

O processo civil, por seu turno, vem alterando a sua face desde o início dos anos 1990 até os tempos atuais, absorvendo notáveis mudanças que foram norteadas pelos propósitos fundamentais da simplificação dos procedimentos e do alcance da efetividade da prestação jurisdicional.

Apesar de tudo isso, ainda se mostrava incipiente, no âmbito do próprio Poder Judiciário, a rediscussão das funções da apelação e do recurso ordinário. Em tempos de procura por simplificação e agilidade, expõem-se, naturalmente, os fatores de prolongação do processo judiciário, com o risco, daí resultante, de que a simplificação contamine, inadvertidamente, a própria análise do problema. A doutrina é caudalosa na demonstração dos pontos positivos e negativos do sistema do duplo grau de jurisdição. Em acurado levantamento de opiniões a esse respeito, um artigo publicado em 2005 demonstra que é possível encontrar boas razões para louvar e para condenar a utilidade da revisão judicial.

Ensejou-se, enfim, uma saudável e inovadora discussão em nosso meio, que recebe agora a rica contribuição do artigo do Des. Robinson. Observo, a propósito, que esse debate não é tão novo ou desconhecido nos países que adotam, nos seus sistemas jurídicos, o modelo dos precedentes. Nestes, o julgador recursal está em permanente estado de desafio e transita por valores que determinam um comportamento de deferência ao órgão judicial que colheu a prova; de presunção de correção sobre a palavra do órgão especializado na matéria em exame; de cuidado com a necessidade de preservar a confiança do povo, mediante o esforço de imprimir sentido de justiça às decisões dos juízes e de evitar procedimentos complexos e onerosos, geradores de causas intermináveis e, por consequência, de perda de credibilidade no sistema judicial.

Há notáveis diferenças entre o julgamento da sentença de primeiro grau e o julgamento do recurso pelo órgão colegiado. Em texto clássico da doutrina norteamericana, diz-se que os tribunais desempenham atividade de complementação à função dos que produzem as decisões na primeira instância, um realizando funções que o outro não pode fazer, sendo que os tribunais cumprem a tarefa de remediar ou mitigar os defeitos eventuais da decisão originária, e dão sentido de harmonia ao direito.

Não se cogita, portanto, da ideia de conflito entre essas funções, que se complementam no cumprimento da função jurisdicional. O que se encerra por trás dessa constatação é, enfim, o tema do minucioso estudo desenvolvido pelo Des. Carlos Aberto Robinson. Suas incursões sobre o problema de conciliar a garantia do sistema do duplo grau com o enfrentamento da morosidade são especialmente oportunas e clarificam os valores que estão em jogo. Além disso, o artigo não remanesce no campo das considerações teóricas, buscando possíveis soluções e enfrentando a questão do método que, a rigor, está na origem dos problemas. O artigo se ampara na melhor doutrina para fazer, ainda, a necessária abordagem sobre os modelos interpretativos de que nos valemos, na atualidade, para realizar o direito, sem deixar de enfrentar, ademais, por meio de judiciosas considerações, o tema espinhoso que se encerra sob os conceitos de razoabilidade e discricionariedade. Em tempos de pós-positivismo, por vezes mal compreendido e aplicado, nada mais necessário do que a construção de teorias e a descoberta de métodos de atuação judicial afinados com o estado democrático de direito.

Melhor ainda: nada mais alvissareiro do que verificar a disposição de magistrados inteligentes para expor e debater ideias genuinamente novas, que nos ajudarão, com certeza, a compreender e solucionar os nossos problemas. 

Flavio Portinho Sirangelo
Des. Diretor da Escola Judicial do TRT da 4ª Região (RS)

Publicado: 2024-12-05

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