O desmanche do direito do trabalho e a recente decisão do STF sobre a prescrição
DOI:
https://doi.org/10.70940/relet.2015.492Resumo
A recente decisão do STF acerca da prescrição do FGTS será o ponto de partida para a análise de um fenômeno de desmanche do Direito do Trabalho, que vem sendo realizado de forma sistemática pelo Estado, notadamente – para o que aqui analisarei – pelo Poder Judiciário. Na Justiça do Trabalho, existem mais súmulas e orientações jurisprudenciais do que artigos na CLT, e a grande maioria delas mitiga ou retira direitos trabalhistas. Disciplinando a terceirização (súmula 331), alterando regras processuais (súmula 338), ultrapassando os limites constitucionais (OJ 388), o TST tem contribuído fortemente para a flexibilização do Direito do Trabalho. No que concerne especificamente ao FGTS, o TST já vem precarizando o direito ao exercício dessa pretensão há algum tempo. Em sua súmula 98, cuja redação proveniente de orientação jurisprudencial data de 1980, já referia uma "equivalência" meramente jurídica, entre a indenização relativa ao tempo de serviço e a indenização prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (a chamada "multa de 40% sobre o FGTS"). Na súmula 206, com redação original de 1985, o TST limita a exigibilidade do FGTS não recolhido durante o vínculo ao período em que exigíveis as verbas trabalhistas que lhe servem como base para o cálculo. Ou seja, já em 1985 a prescrição de 30 anos relativa ao FGTS foi em parte anulada, por um entendimento completamente insustentável da perspectiva jurídica, porque confunde verbas diferentes, partindo do pressuposto equivocado de que o FGTS seria um acessório das verbas devidas durante a relação de trabalho. Por fim, na súmula 362, com redação original de 1999, o TST reduz o prazo prescricional do FGTS para dois anos, quando extinta a relação jurídica de emprego. Esse movimento de precarização que o órgão de cúpula do Poder Judiciário trabalhista já vem realizando há décadas agora foi incorporado pelo STF. Na decisão objeto de análise, o prazo de 30 anos previsto para o exercício da pretensão em relação ao FGTS foi declarado incompatível com uma ordem constitucional que preconiza a melhoria constante das condições sociais dos trabalhadores. Discute-se – ainda que sem o aprofundamento necessário - porque o Direito não consegue dar conta desse estado de coisas, no qual o Poder Judiciário, em lugar de ser o garante da ordem constitucional, apresenta-se como um agente de precarização social. No campo jurídico, a questão passa necessariamente pela análise da discricionariedade judicial, que permite que, sob o argumento de instaurar uma nova ordem, justa e solidária, promova-se um significativo retrocesso em termos de proteção aos direitos sociais. A crítica se dará, portanto, em dois níveis. No âmbito do Direito, trata-se de reconhecer de um lado a impossibilidade de "controlar" a atuação judicial e, de outro, o caráter conservador e negador dos direitos sociais, que essa atuação acaba por desempenhar, em razão de sua ligação metabólica com o capital. Para além do Direito, a crítica é o desvelamento das verdadeiras razões que produzem decisões como aquela proferida pelo STF no caso do prazo para a prescrição da pretensão relativa ao FGTS.